Por Gabriel Siqueira
Centro Acadêmico de História – Gestão Filhos da Pública
Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão – CSEPE UERJ
Comissão Permanente de Avaliação e Carga Horária Docente – COPAD UERJ
Nesta sexta feira, 26 de outubro, o antropólogo, escritor, educador, político, inventor, o mestre Darcy Ribeiro completaria 90 anos de idade.
Essas pequenas e humildes linhas são resultado da minha indignação com o esquecimento proposital do mestre Darcy. Graças às belas lições dele é que posso dizer que sou um indignado e nunca vou me resignar. O Guerreiro Sonhador era sinônimo de coragem, inteligência e de vida. Uma vida em nome da pátria.
Não se trata, necessariamente, de lembrar-se de Darcy Ribeiro, mas sim da sua trajetória de luta em defesa do Brasil e dos brasileiros.
“É profanação o esquecimento vergonhoso dos mortos” José Martí
Poucas pessoas sabem quem foi Darcy Ribeiro, o que ele fez, ou qual sua importância para o Brasil. Um dos mais destacados pensadores do século XX tem sua memória constantemente embaçada pela fumaça do crack que saem da boca das crianças brasileiras e sua história que não pode ser escrita por quem não sabe escrever. Hoje, Darcy Ribeiro e sua obra vão sendo esquecidos pela maioria desse nosso Brasil pelo motivo que ele mesmo temia: a mediocridade.
Enfim, é dura a vida dessa geração que não conheceu e nem viu Darcy, aquele fantástico ‘fazedor de coisas’, que fugiu do hospital pouco antes de sua morte para cumprir seu dever de patriota e terminar de escrever sua teoria sobre ‘povo brasileiro’ do qual fazia parte.
Esse Darcy que tanto escreveu, mas tanto fez, não foi visto nem pelos corredores acadêmicos da nossa querida UERJ que, em nome do academicismo e do conservadorismo, lhe negou o título de Doutor Honoris Causa. Essa mancha nos persegue até hoje, pois somos militantes da UERJ, a mesma Universidade dos cursos noturnos, dos negros índios e pobres, da zona norte, ou seja, do povo que Darcy tanto defendeu. Talvez, hoje, no infinito onde estiver, sinta até orgulho de ser lembrado por aqueles que lutam e não pelos que estão do lado contrário.
Coube a Universidade de Sorbonne e Copenhagen lhe conceder esse título, entretanto os títulos pelo mundo não o fizeram feliz na sua terra, não foram suficientes para convencer as elites dominantes da urgência do CIEP, Xingu, da Universidade Necessária, e muito mais.
Darcy Ribeiro tem uma relação muito especial com o Rio de Janeiro, além de idealizar os projetos pedagógicos de 506 CIEP´s, criou a Universidade Estadual do Norte Fluminense. Segundo Darcy, aquela era a Universidade do 3° milênio, pois previu a presença da UENF em Macaé (RJ), aonde viriam a ser implantados os Laboratórios de Engenharia e Exploração do Petróleo (Lenep) e de Meteorologia (Lamet). É preciso lembrar que o mestre fora o criador e o primeiro reitor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de projetos de instauração ou reforma de universidades na Costa Rica, Argélia, Uruguai, Venezuela e Peru.
Darcy Ribeiro na construção da UENF
Darcy foi aquele melhor leu e estudou as teorias mundiais de esquerda, utilizando-as como ferramentas na montagem, ou melhor, na invenção de uma nova para nossa América e nosso Brasil. Amorenou o socialismo, que antes tão duro e frio não se encaixava na malemolência e na quentura da nossa “mulatisse” brasileira e indo-americana, adaptou uma escola ao espírito inventivo, mas empobrecido dos nossos meninos do Brasil e reinventou uma Universidade mais livre, incluída e preocupada com os problemas do povo.
Arrisco-me a dizer que quase ninguém amou mais o Brasil do que Darcy Ribeiro, tão combatido pelo medo dos novos políticos carentes de política e tão criminalizado pela elite acadêmica, com raras exceções, colonizada, vaidosa e medíocre.
A sua incrível sagacidade ainda golpeou os golpistas de plantão, pois ele voltou ao Brasil após o exílio com a desculpa ou culpa de que morreria logo. Descobriu um câncer mortal em Paris, sendo a França o núcleo da medicina naquela época, os médicos haviam preparado sua operação em três dias, mas Darcy tinha outros planos. Deixando os médicos franceses de lado, o que torceu os narizes grandes arrebitados daquele país, pois preferiu operar-se no Brasil. Uma operação daquela magnitude tinha margem de 95% de chances de levar o paciente a morte. Contudo não era qualquer paciente, era o Guerreiro Sonhador. Darcy via as coisas de outro prisma, considerando não os 95, mas sim o 5% que vivem após aquela cirurgia.
A Ditadura permitiu que voltasse ao Brasil com a certeza e a ‘fé’ de que ele morreria logo, até o grande ‘adivinhador’ o General Golbery do Couto e Silva acreditava estar permitindo a volta de um Darcy moribundo e nada mais. Os militares ainda se preocuparam em “protegê-lo” de atentados, colocando sobre guarda de muitos soldados. Darcy achou ótimo e tratou de agradecer, mas pediu para ser protegido a pelo menos cinco metros de distância. Entre a morte que a ditadura acreditou estar ao lado dele e seu fim anos depois, estavam 506 CIEP´s, a UENF, eleições governamentais do Estado, Secretaria de Educação do Estado e mais alguns livros como “O povo brasileiro”. Após mais algumas façanhas Darcy previu agora com razão sua morte em confissões:
"Termino essa minha vida exausto de viver, mas querendo ainda mais vida, mais amor, mais travessuras. A você que fica aí inútil, vivendo essa vida insossa, só digo: Coragem! Mais vale errar se arrebentando do que se preparar para nada. O único clamor da vida é por mais vida bem vivida. Essa é, aqui e agora, a nossa parte. Depois seremos matéria cósmica. Apagados minerais. Para sempre mortos."
Tenho certeza que é impossível escrever algo com a envergadura e profundidade da vida e luta desse gênio brasileiro e latino-americano. Ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília (UNB), o Guerreiro Sonhador mostrou que última coisa que deixaria morrer era sua inteligência perspicaz e vontade de lutar, de fazer o “Brasil dar certo”.
Finalizo esse texto/homenagem com uma das suas últimas frases, já fraco e debilitado pela doença, quando recebeu o título que a UERJ lhe negara, mas a UNB que construiu não pôde fazer o mesmo. Na lembrança, na luta e no orgulho de ser brasileiro é que homenageamos este velho patriota. Enfim, para terminar ligando seu pensamento a nossa prática universitária, pois Darcy Pensou em reinventar a Universidade brasileira para o Brasil e assim reinventar o Brasil a partir da Universidade Brasileira:
“Aquele espírito fraternal, aquela devoção profunda ao domínio do saber e a sua aplicação frutífera. Éramos uns brasileiros apaixonados pelo Brasil prontos a refazê-lo com um projeto próprio, que fosse expressão da vontade dos brasileiros.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário